Mouro chega ao seu número 14 com a primeira mudança de sua Comissão Editorial. A revista atravessou uma época rara na história brasileira. Nunca antes esse país passou tão célere de um momento de prestígio internacional, ascensão econômica e melhoria da renda para outro inclassificável: de perda de direitos, recessão, desemprego e, fundamentalmente, desesperança. Mas tampouco, e por outro lado, já existira no Brasil uma organização política com as dimensões e o enraizamento do Partido dos Trabalhadores. Esse fato não deve ser ignorado.
Para a Mouro, é bom que se diga, o golpe não foi um raio em céu azul. Chamamos a atenção muito antes para o lawfare, para os erros de política econômica, a ausência de política militar, os perigos do fascismo e até mesmo para os desvarios repressivos dos governos petistas.
No entanto, para muitos era inimaginável que um governante neofascista chegasse à presidência da República. Era inconcebível que o esgoto das redes sociais, a linguagem chula da classe média e as práticas milicianas fossem instaladas no Palácio do Planalto.
A “filosofia” dominante, produzida por um falso astrólogo, tornou-se a expressão acabada do poder do narcopentecostalismo. E tudo isso foi normalizado, ainda que com certo pejo, pela imprensa burguesa. Quem poderia aceitar a ideia de que a elite se curvasse à ralé e sacrificasse seu domínio político em nome de sua salvação econômica? Como foi possível?
Nem tudo sabíamos, mas algum conhecimento histórico nos permitiu imprimir em nossas páginas a denúncia de Marighella de que a nossa democracia é racionada e só existe como interregno entre ditaduras. Em 2016, uma vez mais a burguesia antinacional sacrificou a democracia no altar dos seus lucros.
A vitória de um candidato de extrema direita em 2018 e o isolamento social devido à quarentena em 2020 impuseram novos desafios à Revista. Nossa reflexão deverá se voltar ao desvelamento das novas formas de dominação fascista e aos possíveis desdobramentos da crise econômica e da pandemia. Teremos um mundo mais solidário, reorganizado em torno do comum, dos serviços públicos universais, de uma renda básica de cidadania, de mais impostos sobre os ricos; ou haverá maior regressão neoliberal jogando sobre os pobres a conta da crise? Isso dependerá das escolhas políticas que fizermos desde já.
Eppur si muove! A revista, apesar de tudo, venceu a tempestade e ousa agora trazer um dossiê sobre o centenário da Internacional Comunista (1919-2019), bem como resenhas e artigos de estudiosos e estudiosas, acadêmicas ou não, de notável valor intelectual, que discutem temas de grande importância para as lutas de ontem e de hoje. Assim também o fazem as entrevistas dispostas neste número 14. E como jamais poderia deixar de ser, veremos nas páginas a seguir um grande volume de trabalhos artísticos, marca registrada da Mouro, os quais, nas suas diversas expressões, debatem e se batem, refletem e meditam, espantam e encorajam enquanto “transfiguração imaginativa do real”, como dizia Edgard Carone. A leitora e o leitor aqui encontrarão, portanto, discussões sobre os problemas teóricos e os dilemas históricos que ajudarão a refletir sobre nossa luta de sempre pelo socialismo.
Parte da pequena equipe que produzia a revista Mouro aqui se despede e passa o bastão a quem chega com mais energia, novos temas, novas abordagens e muitas esperanças. O trabalho, não o afeto, se encerra. Perto ou longe, estamos sempre juntos.
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